Projeto: "Imortais de Guaratinguetá"
Este link destina-se a mostrar as personalidades Guaratinguetaenses que se destacaram no cenário nacional e internacional.

No dia 1º de abril de 1891, nasceu em Guaratinguetá Ernesto Leme Barbosa. Filho de José Agostinho Leme Barbosa, o Quiçaca e Gabriela Pereira Barbosa. Embora descendentes de famílias tradicionais e abastadas da cidade, o casal vivia modestamente.
Devido à situação da família, o menino, logo que terminou o curso primário no Grupo Escolar “Dr. Flamínio Lessa”, deixou os estudos para ir em busca de uma profissão. Tornou-se aprendiz de mecânica. Depois, passou a aprendiz de marcenaria e tornearia.
Desde pequeno, porem, ele mostrava grande vocação para a arte. Tinha muita facilidade para o desenho e, ainda jovem, conseguia ganhar algum dinheiro pintando as figuras de São João ou São Pedro para os mastros e bandeiras das festas desses santos. Seu maior desejo era estudar pintura.
Aos quinze anos, depois de muito esforço, conseguiu juntar uma pequena quantia e partiu para o Rio de Janeiro, onde estavam os melhores professores. Lá chegando, era preciso, em primeiro lugar, conseguir emprego. Sem qualificações, aceitava os serviços que iam aparecendo.
Foi caixeiro de loja, guia de turistas, desenhista de rua, até ser admitido como auxiliar de um fotografo. Este trabalho tomava-lhe quase todo o tempo, não permitindo que se dedicasse a pintura.
Com grande força de vontade, lutando contra as barreiras que a vida lhe impunha, prosseguia, da melhor maneira possível, em busca de seu ideal.
Apesar de não conseguir estudar como desejava, o Rio de Janeiro lhe proporcionou um crescimento pessoal muito grande, transformando-o de um simples rapaz interiorano num jovem bem-educado que circulava com desenvoltura na capital. A convivência com outros artistas mostrou-lhe a importância da cultura. Foi buscar nos livros o conhecimento que não pode adquirir na escola. Cedo aprendeu o valor das boas maneiras e do bem vestir.
Transformou-se num “play-boy”, que apesar de não ter dinheiro, era bem recebido nos meios sociais. Assim pode fazer parte da “boemia carioca” e conviver com intelectuais como Olavo Bilac, Emilio e Nazaré Menezes, Luiz Pistarine, elevando o seu nível cultural e desenvolvendo o gosto pela literatura e poesia.
Seus amigos mais chegados eram os jovens artistas que se reuniam no “Café Belas Artes” para horas de alegre confraternização: Guttman Bicho (pintor), Carlos Maul (escritor e jornalista), Agripino Grieco (escritor e crítico), Mario Horta, entre outros.
Sempre que podia Ernesto pintava. No entanto, na luta “entre o feijão e o sonho”, o tempo ia passando sem que ele conseguisse um meio para poder se dedicar a arte. Convivendo com pintores, visitando exposições, sentia cada vez mais a necessidade de bons professores e muito estudo. Sem suporte financeiro, isso era impossível.
Conservando o ânimo, apesar das dificuldades, ele às vezes deixava o Rio, trabalhava como fotografo, economizava e voltava a capital. Por um período esteve em Guaratinguetá, onde dirigiu a Fotografia Mendes. Em 1911, fez uma viagem ao sul de Minas, como auxiliar retocador do fotografo português Augusto Soucaseaux, que fora contratado para documentar as obras de arte Estrada de Ferro Central do Brasil.
Nesse período, em sua terra, chamavam-no de Ernesto Quiçaca, pois o apelido de seu pai, como é comum acontecer, passara para os filhos. Nas fotografias usava o nome de Leme Barbosa. Algum tempo depois, seus trabalhos fotográficos traziam, impresso, o nome Quissak.
Quem, e por que, teria mudado a grafia de Quiçaca para Quissak? Teria sido o próprio Ernesto, buscando um nome marcante para seus trabalhos artísticos? É provável, mas não se sabe com certeza. Também é desconhecido o motivo pelo qual ele e todos seus irmãos abandonaram o sobrenome da família, adotando, oficialmente, o apelido do pai.
Em 1913, segundo Carlos Eugenio Marcondes de Moura, no seu livro “Retratos Quase Inocentes”, Ernesto trabalhava como fotografo em sua terra.
Depois de vários anos de luta infrutíferas no Rio de Janeiro, sem conseguir alcançar o sonho de tornar-se pintor, decidiu voltar definitivamente para Guaratinguetá.
Nessa época, conheceu Maria Elisa de Moraes, uma jovem de Jacareí , com quem veio a se casar, em 1916. Incentivado por ela, continuou pintando e registrou em suas telas, diversos recantos da cidade hoje desaparecidos.
Abriu um ateliê fotográfico, começou a dar aulas particulares de pintura, conseguiu emprego de radiologista na Santa Casa e iniciou sua carreira jornalística colaborando com os jornais de estudantes. Junto com sinhô Marques e Pedro Luz, preparava alunos para ingressar na Escola Normal. Disposição para o trabalho não lhe faltava.
Tornou-se amigo de Marques Guimarães, arquiteto português, professor de desenho da Escola Normal, que já realizara vários projetos para a urbanização da cidade. Ernesto, se entusiasmou com esses planos, passou a defende-los e a criar, ele próprio, mais alguns. Ambos receberam o descaso e até zombarias de pessoas que não tinham mentalidade para aceitar aquelas propostas, muito avançadas para a época.
O futuro, porém, mostrou o acerto e a visão de seus criadores. Décadas depois, muitos daqueles projetos tiveram que ser realizados, pois o progresso da cidade fez com que se tornassem imprescindíveis.
Desde essa época, Ernesto nunca deixou de se preocupar com o urbanismo, que quis ver aplicado em sua terra e que foi, por vários anos, tema de seus artigos e campanhas pelas rádios e jornais. Defendia também o uso do paisagismo para o embelezamento da cidade.
Em 1917, realizou, na sede da sociedade Operaria, sua primeira exposição individual e enviou dois quadros para o Salão Nacional de Belas Artes. Ambos foram aceitos.
Participar do Salão nacional era o sonho de todo pintor e equivalia a sua consagração, pois os quadros passavam por julgamento rigoroso e nele só figuravam aqueles de reconhecido valor. Foi, portanto, uma grande vitória para o jovem, praticamente autodidata, que enfrentando todas as dificuldades, tinha dois de seus trabalhos expostos ao lado dos maiores nomes da pintura nacional.
Em 1919, mudou-se para São Bento de Sapucaí, onde Elisa foi lecionar.
O período que Ernesto passou nessa cidade foi muito importante e exerceu influências que determinaram novos rumos em sua vida. As belas paisagens da Mantiqueira e as pessoas do lugar foram retratadas em telas, uma das quais, denominada “Serrano – paisagem de São Bento de Sapucaí”, figurou no Salão Nacional em 1921.
O fato mais importante dessa época, foi que ele, com seu espírito sempre atento a tudo, observando e procurando auxiliar sua esposa no trabalho, acabou se entusiasmando com as questões referentes à educação. Nasceu ali, o educador que seria até o fim da vida.
Elisa transferiu-se para uma escola em Guaratinguetá. De volta à cidade, e com as telas pintadas em São Bento de Sapucaí, Ernesto realizou, em 1922, sua segunda exposição individual.
O ano seguinte trouxe outros motivos de satisfação. Foi nomeado professor de modelagem da Escola Normal e, ao participar, mais uma vez, do Salão Nacional de Belas Artes, recebeu Menção Honrosa pelo quadro “Figueira”.
Seu ateliê fotográfico era bastante procurado, inclusive por pessoas de cidades vizinhas. Sempre em busca de aperfeiçoamento, Ernesto não se contentava com os conhecimentos que já possuía e procurava novos caminhos no trabalho. Sua técnica inovadora é citada até hoje pelos historiadores da fotografia no Brasil, entre eles, Boris Kossoy, que afirmou:
“Quissak está 50 anos a frente do seu tempo”.
Em 1935, o artista catarinense Pedro Luz, encarregado da decoração da igreja Nossa Senhora das Graças, abandonou o trabalho e Ernesto foi convidado a se encarregar dos quadros que faltavam. Pintou sete telas que foram coladas nas paredes: Rio Jordão, Assunção de Maria, Maria junto ao Filho crucificado, Estigmatização de São Francisco, Santo Antonio distribuindo pães, São Francisco na companhia de animais e São Solano.
Seu tempo agora era dividido entre o magistério, a pintura, o jornalismo e as atividades que visavam ao desenvolvimento cultural de sua cidade.
Amante das artes, Ernesto queria vê-la difundida e ao alcance de muitos. Foi grande incentivador e organizador pioneiro dos Salões de Belas Artes no interior do estado. Em Guaratinguetá, foi realizado o primeiro deles na sede da Sociedade Operária, comemorando o tri-centenário da fundação da cidade.
Outros se seguiram, em datas comemorativas importantes. Vários artistas conterrâneos foram revelados nesses Salões que tinham repercussão em todo o Vale do Paraíba.
Apesar dos muitos compromissos, Ernesto não abandonou os pincéis. As telas se sucediam. Quando encontrava um local interessante, com uma vista que lhe atraísse a atenção, pegava telas e tintas e ali se instalava, fosse no campo, na via publica ou no litoral e ali ficava pintando tranqüilamente sem se preocupar com o que acontecia a seu redor.
Vários de seus quadros retratavam o Rio Paraíba. Muitos anos antes que se começasse a falar de ecologia, já se preocupava com o meio ambiente, com o desmatamento e a degradação dos rios. Ao Paraíba, alem de suas telas, dedicou artigos em jornais e programas de rádio.
Seu trabalho de professor e em prol da cultura também era feito com máxima dedicação. Por isso foi convidado para diversas atividades na esfera do ensino. Em 1943, fez parte da banca examinadora para ingresso no Magistério Secundário e Normal e foi representante da Escola Normal de Guaratinguetá, no Congresso de Ensino realizado em Campinas. Expôs uma tese que foi muito bem acolhida e fez parte dos redatores do Diário do Congresso.
Em 1948, participou novamente da banca examinadora do Concurso de Ingresso e foi eleito pelos seus colegas, o presidente da mesma. Por causa dessa incumbência, permaneceu por vários meses em São Paulo de onde enviava crônicas para os jornais de sua terra.
Em 1949, foi mais uma vez escolhido para o mesmo trabalho e, no período em que esteve na capital, fundou no Instituto Caetano de Campos, com Francisco Chimino e seus companheiros de Banca, o Curso de Aperfeiçoamento de Desenho Pedagógico e Trabalhos Manuais. Ainda nesse ano, em outubro, participou, representando Guaratinguetá, do III Congresso Normalista de Ensino Rural na cidade de Casa Branca. Esteve presente, também, no II Congresso que se realizara no ano anterior. Junto com João Toledo, elaborou a reforma de ensino e programas de desenho pedagógico para o curso primário.
Em 1950, ainda em São Paulo, deu aulas no Curso de Férias para professores de desenho.
Em outubro, assumiu provisoriamente a direção do Colégio Estadual e Escola Normal “Conselheiro Rodrigues Alves”, em substituição ao diretor, que fora afastado por motivos políticos. Quando em 1953, o diretor foi reintegrado a seu cargo, Ernesto retornou à cadeira de desenho, permanecendo ali até a aposentadoria, em 1957.
Apesar das muitas ocupações, sempre exerceu atividade jornalística. Através da imprensa, apoiou, criticou, elogiou e sugeriu medidas que ele acreditava serem importantes para sua terra.
Não se conformava com o fato de Guaratinguetá ter perdido o lugar de centro cultural do Vale do Paraíba, e sonhava com o dia em que esse posto fosse reconquistado. Pobre, sem influencia política, lutou bravamente por essa causa com a única arma de que dispunha – seu trabalho. O único apoio que recebeu, foi de uns poucos idealistas.
Em 1942, durante a Segunda Guerra Mundial, junto com um grupo de alunas da Escola Normal, e com a colaboração do Professor José Vicente Freitas Marcondes, encabeçou uma campanha denominada “Asas para Guaratinguetá e pilotos para o Brasil”. Pretendiam angariar dinheiro para a compra de um avião que seria doado ao Aeroclube local, para ser usado na formação de pilotos. Para tanto, jovens normalistas venderiam pequenos broches com a forma do V da vitória, feitos com fita verde e amarela. Era uma proposta audaciosa, quase impossível, mas que teve êxito além do esperado. Toda a sociedade foi envolvida e o resultado foi que, 15 dias depois, já havia dinheiro suficiente para a compra, não de um, mas de dois aviões que vieram, efetivamente a fazer parte do Aeroclube.
Ernesto participou de vários grêmios, como o “Rui Barbosa”, do qual foi eleito Presidente de Honra, e da Associação dos Ex-alunos da Escola Normal. Com Lacáz Filho criou o Grêmio Lítero Musical “Carlos Gomes”. Conseguiu trazer para a cidade um núcleo regional da Associação Brasileira de Escritores e, através dele, fundar a Casa da Cultura, um dos sonhos que acalentou com carinho e que promoveu, alem de salões de arte, conferencias com renomados intelectuais do estado e concursos literários entre outras atividades. Foi membro correspondente da Instrução Artística do Brasil.
Preocupado com a preservação da história da cidade e em manter viva a imagem do grande brasileiro, Rodrigues Alves, filho da terra, empenhou-se em conseguir que sua casa fosse transformada em museu. Perseguia esse objetivo com obstinação. Nas rádios, nos jornais e até mesmo nos discursos durante solenidades, sempre defendeu essa proposta.
Em busca de meios para a difusão da cultura e pensando em todos os segmentos da sociedade, em 1950, lançou o projeto da Biblioteca do Detento, para a cadeia publica local. Ela foi inaugurada com um acervo de 700 livros, fruto de doações conseguidas graças ao empenho do amigo João Zappa, conhecido livreiro da cidade.
Não se descuidou, também, das causas sociais e esteve ao lado do Dr. Souza Pinto, quando da fundação do Instituto de Proteção à Primeira Infância, para atender as crianças carentes.
Após a aposentadoria no “Instituto de Educação Conselheiro Rodrigues Alves”, em 1957, passou a dedicar toda sua atenção ao Ginásio “Nogueira da Gama”, onde lecionava desenho há alguns anos.
Em 1959, adoeceu gravemente, vindo a falecer em 5 de novembro de 1960.
O trabalho como educador foi o que mais o distinguiu. Muitas vezes incompreendido, nunca desanimou na cruzada pela cultura que ele acreditava ser fundamental para o desenvolvimento do país.
Fonte: http://www.guaratingueta.sp.gov.br/cultura